Rogério Alves da Silva

23 de jan de 20213 min

Doido varrido…

O mestre Ariano Suassuna conta que, lá em Taperoá, na Paraíba - sua cidade Natal - tinha, como em toda cidade pequena, o doido oficial da cidade, seu nome era Manuel Bento.

Em outubro, num dia de calor miserável do Sertão do Cariri, lá pelo meio-dia, Manuel Bento estava parado, de orelha colada num muro comprido que tem por lá, escutando atento por horas…

As pessoas passavam e olhavam estranhamente aquela cena…

Até que o primeiro parou e também encostou a orelha junto ao muro, buscando escutar alguma coisa. Daí a pouco, vários o imitavam, até que um deles, depois de um certo tempo disse:

- Manuel Bento, não estou escutando nada!!

Então, Manuel Bento, tranquilo, afastando a orelha do muro, respondeu:

- Tá assim desde cedo! Tudo quieto...

Quando ouvi pela primeira vez o Professor dizer que ele tinha uma atração e admiração pelos doidos, eu me senti um tanto aliviado, pois eu sempre tive um forte interesse e curiosidade por eles; como diz o Professor, talvez por identificação.

Minha admiração se dá por eles verem as coisas sob uma ótica disruptiva*, totalmente inabitual dos ditos "normais", suas inteligências são surpreendentes e impactantes.

Diante das nossas indagações regidas por uma lógica comum, as respostas deles são sempre, no mínimo, criativas e desconcertantes diante da forma convencional de analisar, concluir e reagir sobre as coisas, situações e problemas dos pretensos normais.

Manuel Bento, ao buscar algo especial no muro, talvez queira nos dizer que…

o que ele encontrara até então nas ruas foi o óbvio, o comum,

que isso não lhe bastava,

que isso o impeliu a buscar algo além do convencional,

ansiando por algo extraordinário.

Ou será que foi uma provocação?

Um pouco de "loucura" às vezes é muito bom, olhar a vida sob um novo prisma é uma aventura corajosa que algumas pessoas abraçam, mesmo correndo o risco de serem rotuladas: de doidas, estranhas, sonhadoras, excêntricas, alienadas, utopistas...

Tudo ou todos que fogem ao convencional assusta e incomoda, "pensar" de forma inabitual e livre, historicamente foi sempre motivo de preconceitos, exclusões e de perseguições que macularam vergonhosamente a caminhada da humanidade com reações violentas.

Foram torturas, fogueiras, garrotes, forças, guilhotinas... que tentaram, inutilmente, deter o pensamento livre.

Afinal, o que é ser louco?

Nos dias atuais as reações e consequências não são mais tão violentas e impactantes, mas, continuam rotulando, discriminando, isolando, lacrando, bloqueando... como forma de defesa medrosa do tradicional, do retrógrado, de uma falsa segurança.

Conviver com a diversidade, estar aberto a aprender com o diferente é ato de coragem que faz crescer o todo; fomos treinados a rejeitar e rechaçar tudo que confronte os sistemas, métodos, formas de pensar, crenças, hábitos...

Basta alguém propor uma nova forma de fazer, que discorde de algo que acreditamos, para que a primeira e mais comum reação seja de, no mínimo, um mal estar, podendo chegar a sentimentos e reações mais fortes e discriminatórias.

O que é ser doido?
 
O que é ser normal?
 
Será que você nunca teve vontade de discordar e se calou?
 
Quantas vezes você evitou o embate de ideias só para ser aceito ou não ser visto como alguém diferente?

Já concordou só porque a maioria pensava assim ou daquele jeito?

Não gosto de gente boazinha!!!

"Para navegar contra a corrente são necessárias condições raras; espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão." - Dra. Nise da Silveira

Tenho buscado estar aberto a aprender, me desafiado a reavaliar trabalhos, projetos, compromissos, opiniões... colocando em xeque algumas verdades que eu havia abraçado e defendido com unhas e dentes.

Tenho buscado uma nova forma de ver e encarar a vida, tentando ser mais coerente.

Não é fácil!

De uns tempos até aqui, não posso ver um muro que corro e encosto a orelha na expectativa de ouvir algo relevante, inédito, surpreendente…

Como você lida com mudanças, revisões e com o novo?

Para sempre é muito tempo, é bom deixar uma porta aberta para poder admitir que errou, que não sabia, que estava enganado, e o mais importante: Me desculpe, você tinha (tem) razão!

Rogério Alves

*Disruptivo: que interrompe ou suspende uma sequência normal.

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