Rogério Alves da Silva

31 de mar de 20202 min

Pintos coloridos, frangos brancos

Dez hora e quarenta e cinco minutos.

Peguei a bolsa, coloquei no guidão da bicicleta.

A missão era levar o almoço do irmão na fábrica.

Às onze horas ele aparecia na portaria, cheio de pelos de lã, cabelo cheio de pó.

Duas possibilidades se apresentavam: esperar e levar a marmita de volta ou ir embora, ele sempre me convencia esperá-lo, acho que era vergonha de carregar marmita.

Do lado da empresa que ele trabalhava, tinha a Somar, uma fábrica de pintinhos, sim eles naquela época já fabricavam pintinhos.

Foi ali que eu enquanto esperava tive uma grande surpresa: vi sobre a calçada várias caixas de papelão empilhadas e a última sem tampa cheia de algo colorido que me chamou a atenção.

Ao me aproximar tive um choque: eram pintinhos!

Nada de mais numa fábrica de pintinhos, só que estes eram coloridos, de várias cores eles se moviam alegres, saltitantes, eram lindos, roxos, azuis, amarelos, vermelhos…

Fiquei paralisado, naquele momento eu só pensava em comprar, talvez meu primeiro impulso irresistível de consumo.

Fui em alta velocidade até em casa e, com o valor que consegui, voltei e comprei tudo de pintinhos! Bem sortidos! De todas as cores!

Chegando em casa, improvisei um espaço para eles ficarem e me coloquei a sonhar e a imaginá-los grandes frangos, correndo pelo quintal, com seu colorido alegre enfeitando a nossa casa.

O tempo foi passando e, a cada dia, eles estavam maiores e para meu desespero e desencanto ficavam menos coloridos… ciscando, sem graça nenhuma, se transformaram em frangos brancos, aqueles de granja, brancos para facilitar na hora da depenagem.

Será que com gente também é assim?

Quando crianças somos coloridos, agitados, inquietos, alegres e a medida que crescemos vamos perdendo o colorido; ficamos uniformes, muito parecidos, será que tem a ver com uma lei natural?

Você conhece algum pintinho que ao virar frango manteve o colorido, a alegria?

E gente?

Quando eu era criança, um vizinho me deu o apelido de Frango, ele explicava que o apelido se devia ao crescimento vertiginoso que eu sofria, eu nunca liguei pois eu adorava criar frangos, sempre desconfiei que foi isso que estimulou a sua fraca criatividade; além dele ser adulto já um senhor.

Os frangos são menos alegres que os pintinhos, quando viram galos então, aí é que ficam estranhos mesmo, passam a ser solitários e territorialistas, propensos ao embate por pequenas questões e ameaças, podem até se matar se não forem separados.

Ainda bem que isso é coisa de galinha!

Rogério Alves.

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