Alpendre Mágico
A casa era enorme, tinha jardins, quintal, um barracão, dois poços, frangos, cachorro, um mundo ladeado por longos muros sobre os quais eu andava feito gato, correndo, sem medo e apavorando os vizinhos.
A frente da casa era enfeitada por um extenso alpendre contornado por grades baixas. Ao centro, uma rampa dava acesso àquele mundo de piso vermelho, mantido à cera com vermelhão. Todo sábado era dia de dar lustro com o escovão.
O nosso alpendre era um lugar mágico, me lembro de brincar de bola com os irmãos, eu pequeno era o goleiro, era ótimo, as grades faziam o papel de alambrados e a bola nunca fugia.
Em algumas tardes só conversávamos, sentados no chão, recostados na parede da casa, olhando a rua até a noite chegar trazendo o sono.
Nos dias mais especiais, os amigos dos meus irmãos, que eram grandões, traziam violões e a cantoria se estendia pela tarde inteira, ninguém parecia se importar com o tempo, continuando mesmo depois que eu, muito aborrecido, tombava capturado pelo sono.
Aquele piso lisinho também era uma maravilha para brincar de carrinho quando dava vontade. Me lembro de minha mãe tranquila no alpendre vendo as nossas corridas na rua, morro abaixo em carrinhos de rolimã, passávamos em alta velocidade e ela não parecia se preocupar e até sorria, muito diferente das mães de hoje em dia. Acho que ela confiava na gente e sabia que no final tudo terminaria bem.
De volta ao alpendre, ele virava fácil pista de corrida, corrida de pano (você senta-se em um pano e o outro te puxa), competições acirradas aconteciam ali, com curvas fechadas no final do percurso com um número de voltas preestabelecidas. Creio que era por tudo isso que naquele tempo o sono chegava cedo.
Foi muito bom viver naquela casa com um alpendre gigante e uma grade baixinha, fácil de pular para ganhar a rua de terra. Até que um dia, me mudaram de lá, digo que me mudaram porque eu nunca quis ir embora daquele meu mundo, fui levado.
No ano seguinte da minha mudança, voltei nas férias escolares e já tinha gente morando na casa, passei em frente várias vezes, o alpendre sempre vazio parecia me chamar.
Depois desse dia, somente dez anos depois eu voltei, meu irmão teve que me apontar a casa, pois, ela agora era de outra cor, ganhara janelões e o jardim e o meu lindo alpendre desapareceram, dando lugar à garagem para dois carros dos moradores.
Parado em frente a casa, eu percebi que ela tinha encolhido muito com o passar dos anos, a rua que era enorme e íngreme, agora era pequena, estreita e acanhada, os muros dos vizinhos não tinham mais que metro e meio de altura.
Naquele instante, eu compreendi que eu havia crescido; me chamaram e eu fui embora; fiquei triste por uns dias pensando no alpendre e no seu piso de vermelhão.
Foi muito bom viver tudo aquilo, daquele jeito, naquele tempo. As lembranças são doces.
Benditas lembranças!
Rogério Alves
Alpendre: Pequeno telhado saliente acima de uma porta, de uma janela, para abrigar do sol, da chuva, ou para servir de ornato; telheiro.
Eu e dois irmãos estávamos nesta tarde na casa da nossa querida mãezinha e a conversa chegou aos nossos tempos de criança. Em determinado momento, um Irmão me perguntou se tinha saudade daqueles tempos. Disse-lhe que não. Tinha boas recordações, pois saudade dói e não faz bem!