Noite alta
A tarde foi caindo sobre o dia, os pássaros cruzavam o céu em busca de um pouso seguro; por trás dos morros, uma cortina de luz vermelha enfeitava a despedida do Sol e, conforme a noite caindo se fazia presente, a barra vermelha foi passando para o rubro, até que se apagou completamente e o breu tomou conta de tudo.
A noite cobriu tudo como uma capa de chumbo. A escuridão, de tão espessa, quase podia ser cortada. Os sons peculiares da noite estavam mudos e as luzes dos postes pouco iluminavam, impedidas pela massa negra e grossa.
O sono não conseguia chegar. Caminhando pelas ruas, era possível ver, através das janelas iluminadas, a silhueta de pessoas atônitas, perambulando pela casa, tentando encontrar o sono perdido.
As ruas foram se esvaziando, até que não restasse nelas viva alma. As horas rastejavam com dificuldade, até que num certo minuto, o tempo estancou definitivamente. Pelas minhas contas, o dia já deveria ter colocado suas asinhas de fora, no entanto, lá fora era só escuridão. A noite não iria mais embora.
O ciclo foi quebrado, dia e noite, luz e escuridão, sono e vigília... e os pássaros que passaram a caminho de seu pouso noturno? Como ficarão sem um alvorecer? Pensemos também na moça linda que, desobedecendo todas as boas recomendações, se bronzeia diante da nossa janela em trajes sumários.
Sem o amanhecer, o que será do café da manhã?
Noite de chumbo em claro, tomado por uma luta ferrenha e desigual contra as preocupações, até que, abatido pelas horas rastejantes, tudo escureceu. O meu tempo também parou definitivamente, não sendo mais possível mensurá-lo.
Quando, de repente, a animação da equipe do caminhão de coleta do lixo me acordou. De rabo de olho, pude ver que o antigo rádio relógio marcava 10:00 horas e o sol, intrometido, se metia pela fresta da surrada cortina vermelha do meu quarto impedindo o abrir completo dos meus olhos.
Atônito, não me lembrava de qual havia sido a última vez que dormi até aquelas horas!
E os pássaros, onde estariam a estas horas?
E a moça?
Rogério Alves
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