O meu portão
Atualizado: 17 de mai. de 2020
Vivemos momentos em nossas vidas,
que ficam retidos no nosso subconsciente…

Um dia, eles escapam e caem no papel querendo ser livres… Depois de cinquenta e três anos, achei ser hora de deixar eles saírem, de libertá-los. Este texto que compartilho com vocês sempre foram lembranças nebulosas, esparsas em minha mente… Elas são dos dias que se seguiram ao desencarne do meu pai.

Sentado no degrau do portão, na beira da rua eu esperava... O degrau era baixo, pois eu tinha meus pés no chão mesmo aos três anos de idade. O portão aberto, encostado no muro, também era baixo, acho que os fabricantes de portões tinham menos o que proteger... Ao fim de todo dia, eu esperava ali até que ele apontasse no pé da nossa rua… “O que faz aí menino?” - minha mãe me perguntou, olhando do alto do alpendre.

Com o pé no chão, eu respondi um pouco aborrecido: “Tô esperando meu pai!” Diante do silêncio da minha mãe, eu aproveitei e olhei mais uma vez a rua na esperança de que ele surgisse. Depois de um silêncio constrangido, minha mãe me chama a entrar e a parar de esperar. Entrei um pouco contrariado e cansado de esperar… O portão só tinha um metro, mesmo assim eu o fechei, sem saber o porquê. O corredor era comprido, ladeava a casa indo dar no quintal que era grande.

Eu sempre entrava pela porta dos fundos, meus pés estavam sempre sujos... O taco da sala sempre brilhando à custa de muito escovão e flanela fazia dessa porta algo proibido. Pé sujo e sala brilhante, desde aquela época, não combinavam muito… Eu e as outras crianças andávamos descalços… talvez fosse moda.

Aos três anos tudo é muito grande: a casa, as pessoas e o quintal... O muro era muito alto, mas os portões eram da minha altura...

A casa então, tinha um alpendre grande que dava pra jogar bola, ele tinha o piso vermelho contornado de grades da altura dos portões.

Nos dias que se seguiram àquele que meu pai não chegou, eu ainda fui ao portão e fiquei lá, de pé... sem sentar… Diante do não chegar dia após dia, eu parei de ficar no portão. Agora, no portão nem sentado nem de pé, eu só, parei de parar no portão. O portão deixou de ser um ponto de encontro, virou só um entrar e sair durante todo o dia, menos nos finais das tardes.

Agora, com quatro anos, a vida era muito corrida… Nem de relance eu olhava o pé da rua, muita falta de tempo para tantas aventuras… Cavar poço, caçar borboletas, pegar mandruvá, correr na rua, esconder-se, procurar, construir abrigos, subir nas mamoneira …

Sem tempo pra nada, os anos passam e você nem vê... Vida de correria… "Chegou a Copa do Mundo" me avisaram... Sem tempo e sem televisão em casa eu não vi.

Aos sete anos, o dia termina antes que você possa dar conta de tudo.

Na falta de tempo, a noite passou a ser uma aliada, agora eu tinha compromissos noturnos urgentes: policia e ladrão, pique esconde, histórias de fantasma, a mãe chamando fora de hora para dormir (sempre no melhor da brincadeira). Aos nove anos as coisas pioram, as atividades se intensificam, falta mais tempo…

A escola prejudica muito o andamento da vida na rua.

O tempo passa tão rápido que quando eu me dei conta chegou a Copa do Mundo de 74! Agora, já tem televisão lá em casa. Assisti aos jogos no vizinho, a televisão dele é em cores, a primeira que eu vi. Aos onze anos, me lembr