O Retrato
Limpei a mesa; coloquei o papel bem em frente a minha cadeira e sob a luz; antes de tudo isso, dediquei um longo tempo em apontar os lápis, preparativo de extrema importância, uma cerimônia delicada, gostosa de ser realizada, prelúdio de um algo maior, especial.
O próximo passo foi me sentar confortavelmente; recostar a cabeça tranquilamente, fechar os olhos, na intenção de registrar seu rosto, que não sai da minha mente, só espero que ele não fuja, logo agora que desejo retratá-lo.
De olhos fechados, te revejo em inúmeras lembranças guardadas em meus arquivos de memória e, como um holograma, vou te trazendo para bem próximo, ajustando a distância, a luz, o ângulo, as cores, até chegar a um ideal, olho fixamente para você na intenção de gravar e reter a sua imagem.
Passado um tempo, abro lentamente os olhos, movo-me com toda calma, tomo um dos lápis e, inclinado-me, me aproximo só o suficiente do papel. Pouso o grafite, este é o momento mais delicado, qualquer deslize será fatal, podendo quebrar o quadro construído cuidadosamente.
Mantenho-me ligado ao seu olhar, é por ele que quero começar, mas é preciso estabelecer limites, emoldurar, principiando por suas sobrancelhas. Capturando o seu olhar, o seu nariz e daí descendo até os contornos suaves de sua boca, indo ao encontro das orelhas, sutilmente escondidas pelo ondular dos cabelos, fechando este primoroso conjunto.
Volto-me, até apoiar as costas por inteiro no encosto da cadeira, daqui, olho para você, não como fiz lá atrás, quando lhe tinha somente em minhas recordações, lhe vejo, agora, em preto e branco e posso guardá-la para sempre na parede branca da sala, sem medo que a sua lembrança seja esmaecida de minha cabeça pelas inesperadas surpresas vindas com o tempo.
Rogério Alves
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