Retomada
O que é prioritário?
O que, realmente, nos faz falta?
O que compensa o risco?
Para quais ações, encontramos facilmente justificativa?
Um amigo, muito próximo, foi vítima de um experimento sociológico tramado por mim.
Ele foi um dos primeiros a retomar suas atividades profissionais, mesmo quando isso era quase inadmissível, impensável para a maioria das pessoas.
Enquanto tudo estava fechado, ele visitou várias cidades, se relacionou, em média, com 50 clientes por semana, manuseou mercadorias, lidou com dinheiro, dormiu em hotéis, se alimentou da forma que era possível, passou pelos pedágios... vida normal.
Depois de muitas semanas nessa frenética e arriscada atividade, ele foi onde eu trabalho voluntariamente. Fui, então, ao estacionamento recebê-lo para uma conversa.
A entrada nesta Instituição está totalmente vetada a pessoas estranhas aos serviços essenciais.
Vou voltar um pouquinho para você entender o contexto: antes da chegada do meu amigo, nós, um grupinho de voluntários, conversávamos sobre a dificuldade na retomada das nossas atividades religiosas presenciais (Espíritas).
Mesmo tendo retomado nosso trabalho profissional e o voluntariado, de já termos ido à barbearia, ao supermercado (desde o início), às caminhadas e várias outras ações, não víamos possibilidade, até aquele momento, de regressarmos com as atividades religiosas presenciais.
Com o anúncio da chegada desse querido amigo, tive a ideia de fazer a tal experiência acima relatada: ao encontrá-lo, fiz as saudações convencionais à distância; iniciamos nossa conversa e fui conduzindo o assunto para chegar às suas experiências aventureiras nas várias viagens feitas até aquele momento, estimulando-o a uma retrospectiva, que ele, sem se fazer de rogado, foi narrando.
Relatou suas dificuldades: os riscos que correu, as reações das pessoas visitadas, as barreiras sanitárias burladas, a entrada pelo estacionamento nos hotéis que funcionavam clandestinamente, ter que comprar quentinhas e fazer suas refeições improvisadamente - peripécias muito arriscadas e, segundo ele, necessárias mesmo com resultados financeiros pífios.
Diante destes relatos envoltos em um ar de aventura corajosa e repletas de riscos, segundo ele, calculados, eu me preparei para minha experiência que se baseava em saber que as missas (ele é católico) haviam sido liberadas no dia anterior (domingo) e a nossa conversa aconteceu numa segunda-feira.
- Que legal, fiquei sabendo que ontem já teve missa; você foi?
- Não! Sai fora... tá maluco? É muito arriscado! Acho que ainda não é hora...
Depois de muitas risadas e de implicar com ele por causa da resposta, considerando suas semanas anteriores. Assim que pude, fui contar aos meus amigos espíritas sobre a experiência.
A conclusão foi que estamos prontos para quase todos os riscos e que somos muito semelhantes. O homem é sempre o mesmo, muda a religião, a nacionalidade, a cultura, os motivos…, mas o homem não muda...
Temos falado muito sobre o que vale ou justifica os risco a que nos expomos.
Quando vamos nos sentir seguros para voltar com nossas atividades religiosas?
Até que ponto, estamos dispostos a correr riscos?
Uma fugidinha para ir a um restaurante, uma ida ao salão dar uma ajeitada no cabelo, fazer a barba, fazer as unhas, sair para uma caminhada… justifica-se facilmente.
Qual o risco inerente a estas fugidinhas?
Não vai aqui uma conclamação à volta das atividades sejam quais forem, minha intenção é provocar e convidar ao pensamento sobre a classificação das prioridades que damos a cada uma das nossas necessidades.
Ouvi, esta semana, que a flexibilização nas atividades econômicas se justifica por suas consequências e implicações futuras, que é preciso pagar um preço (vidas, a meu ver) para evitar algo pior no futuro.
Na realidade, cada um de nós temos as nossas prioridades e as nossas justificativas para o risco a ser corrido, cada um tem uma escala de valores e paralelamente uma outra de necessidades.
Mas quero me deter na saída encontrada para nossas ações e relações religiosas.
Demoramos um pouco para iniciar as transmissões pela web com palestras, missas, cultos, estudos, seminários, encontros, reuniões… mas, agora, a produção é turbinada, suficiente para, diariamente, dedicar-se muitas horas a elas e, se você tiver uma rede social só um pouco ampla, não dará conta de assistir, ouvir, participar...
Escutei de uma amiga, que as pessoas estão sentindo falta do relacionamento social, do convívio, propiciado pelas ações religiosas.
O que nós vínhamos buscando na Casa religiosa?
Será que já nos habituamos a essa nova modalidade à distância?
Não podemos negar que ela é muito prática e, por isso, incrivelmente capaz de congregar.
A frequência aumentou muito em todas as atividades, a presença nos trabalhos agora é quase de 100%, salas de estudo não comportam o grande número de participantes, palestras que antes tinham uma frequência baixa viram o público triplicar, quadruplicar.
Reitero que minhas colocações não dizem respeito a abrir ou não as Casas religiosas, se é seguro ou não, e sim, até que ponto nos acomodamos a essa nova realidade.
O meu trabalho profissional não parou em momento algum e já foi retomado presencialmente, uma ação voluntária não foi interrompida, ao contrário, foi intensificada; lentamente e há muito tempo, uma após a outra, as ações foram sendo retomadas; cada uma delas exigiu cuidados e trouxeram várias medidas preventivas as quais vamos nos adaptando.
Agora, finalmente, começamos a falar sobre voltar com nossas atividades religiosas.
E quando elas voltarem?
Como será?
Na nossa Casa religiosa, voltamos com uma atividade específica na forma presencial. Há algum tempo, ela foi retomada mediante a quase súplica de algumas pessoas; sabe o que vem acontecendo? Uma complicada retomada, há vários dias o trabalho não se realizou por falta de quórum.
Suas atividades religiosas já foram retomadas?
E as suas outras atividades?
Penso que se minha cobaia achou a missa um lugar perigoso, tenho percebido que no meu caso, como espírita, os riscos são muito maiores...
Se dependermos das recomendações da FEB (Federação Espírita Brasileira) e do CEERJ (Conselho Espírita do Estado do Rio de janeiro), que trazem uma lista imensa e quase impossível de ser cumprida pela grande maioria das Instituições, só vamos retornar quando tudo isso passar...
Isso vai passar?
Quando vamos sentir segurança ou necessidade que justifique o risco da volta?
Será que do jeito que estamos levando não é melhor?
O que estamos vivendo é o ¨novo normal¨ em relação à religião?
O virtual é a nova base nas nossas relações e ações religiosas?
Você já tinha pensado sobre esse segmento da retomada?
Se não, fico feliz em te convidar a pensar.
Mesmo que você não tenha gostado.
Se já vinha pensando, compartilha com a gente o que você tem percebido e vivenciado.
“Sai fora... tá maluco? É muito arriscado! Acho que ainda não é hora...”
Rogério Alves.
Como se comportar nesta tal da retomada está me lembrando de um desenho animado que assisti nos meus tempos de infância (e bota tempo nisto): o ratinho queria sair da toca para pegar um apetitoso queijo, mas tinha um gato que andava pela casa. Ele colocava o pescoço de fora da toca, observava, não via o gato, colocava mais um pouco do corpo para fora, não via o gato, colocava todo o corpo para fora da toca, não via o gato e, afinal, tomou coragem, correu em direção ao queijo e eis que apareceu o gato e foi aquela correria. No final, como em qualquer bom desenho animado antigo, o gato nunca pegava o rato. É o que está acontecendo…